terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

NEUROPEDAGOGIA

Neurologia e Pedagogia: uma parceria possível e desejável
 

Com freqüência, ouve-se de profissionais da área da educação que o empenho em se fazer um diagnóstico médico não se traduz, em geral, em vantagens práticas significativas. Nem para o educando nem para o educador. Ouve-se, também, que rotular crianças não tem nenhuma outra função além de estigmatizar aquela criança e de fazer dela uma "síndrome" e não mais um aluno. Essa idéia tem tanta aceitação entre alguns profissionais que determinados procedimentos, como por exemplo, testes psicométricos, são evitados para que tais rótulos não possam ser aplicados. Outros profissionais evitam diagnósticos claros, como deficiência mental, autismo infantil ou epilepsia, por julgarem que esses termos somente trarão mais problemas aos pacientes e seus familiares.
De certo modo, seria como se o diagnóstico médico de alguém com qualquer tipo de prejuízo tivesse apenas uma importância - a relação com o aprendizado - mas sem trazer benefícios ao paciente, objeto do estudo, nem aos profissionais da área da educação envolvidos com o paciente.
Uma primeira questão seria saber se o neurologista tem instrumentos que lhe permitem definir melhor o prejuízo presente e apontar, eventualmente, caminhos a serem seguidos no processo de habilitação.
A resposta a esta questão é, evidentemente, SIM. O neurologista, na verdade hoje um neurocientista, tem a possibilidade, através do exame clínico e dos recursos propedêuticos existentes e disponíveis entre nós, de identificar inúmeras condições que podem cursar com prejuízos na área da educação. Não somente estas condições podem e devem ser identificadas como, em boa parte dos casos estudados, consegue-se definir a etiologia do quadro e o perfil das dificuldades presente. A identificação dos prejuízos presentes e do perfil de funcionamento neuropsicológico possibilitarão à equipe encarregada do caso traçar um programa de intervenção que represente a forma mais rápida, barata e eficaz de atualizar o potencial presente no paciente.
A determinação de um perfil neuropsicológico permite que possamos conhecer não apenas os canais mais incompetentes, mas, e mais importante, quais os canais mais competentes, através dos quais deveremos enfatizar os esforços terapêuticos. Atualmente, há um consenso no sentido de que muito mais útil do que insistir na tentativa de normalizar ou atualizar a incompetência dos indivíduos é tentar investir nas suas habilidades.
A identificação do diagnóstico funcional e sindrômico pode auxiliar, também, a reconhecer condições neurológicas progressivas que podem manifestar-se, inicialmente, de modo muito sutil, por vezes através de um distúrbio do comportamento e/ou da aprendizagem escolar. A identificação de uma patologia progressiva, freqüentemente letal e geneticamente determinada, é evidentemente desejável e o mais precocemente possível.
O aluno portador de necessidades especiais é um indivíduo que, por força de sinais e sintomas variados, recebe com freqüência algum tipo de medicação psicoativa. A participação do neurologista na equipe possibilitará que efeitos colaterais destes medicamentos possam ser identificados e que suas ações sobre o sistema nervoso possam ser discutidas, uma vez que poderão determinar ou maximizar alguns problemas de aprendizagem. Uma determinada criança pode vir a ter prejuízos mais ou menos sérios no que se refere à aprendizagem escolar não em função de uma determinada patologia que apresente (epilepsia, por exemplo), mas sim em razão dos efeitos colaterais que os medicamentos utilizados (como os anticonvulsivantes) podem determinar. Evidentemente que neste aspecto, mais uma vez, a colaboração entre o neurologista e o educador será de extrema utilidade par que uma ação terapêutica possa ser traçada.
Por outro lado, compete ao neurologista a prescrição de psicofármacos que poderão, em certas circunstâncias, ser extremamente benéficos aos alunos, melhorando, inclusive, a aprendizagem e/ou minimizando problemas comportamentais presentes e que podem interferir muito com a atividade escolar de alguns deles. A parceria com o educador permitirá que eventuais melhoras, bem como possíveis pioras, possam ser identificadas nas salas de aula e discutidas com o médico.
A compreensão, na maior profundidade possível, do quadro clínico do nosso aluno especial será de extrema valia na discussão de que tipo de escolaridade deverá se indicada. Nesta época, em que se discute com muita ênfase a inclusão do aluno especial nas escolas normais, uma compreensão exata do grau de comprometimento do aluno, bem como uma idéia realista a respeito de seu potencial educacional, poderá nortear os técnicos no sentido de optarem por um ambiente escolar normal ou um especial/protegido.
Muito embora estejamos de acordo, em tese, no sentido de que seria desejável que todos os alunos estivessem incluídos e adaptados à escola normal, sabemos perfeitamente que certos tipos de prejuízos impedirão que esta inclusão se faça com vantagens para o aluno. A inclusão dependerá não apenas dos limites impostos pela condição de base, mas também das facilidades existentes na comunidade à qual o aluno pertence.
O objetivo do estudo das neurociências é, em última análise, o conhecimento da função do sistema nervoso tanto no indivíduo sadio quanto naquele que apresenta algum desvio. Este conhecimento pode e deve reverter em benefício dos portadores de necessidades especiais na forma de procedimentos e métodos educacionais e terapêuticos idealizados a partir do conhecimento da função neural na saúde e na patologia.

Jose Salomao
*Médico neuropediatra, Doutor em Neurologia Clínica pela Escola Paulista de Medicina, Professor do Curso de Pós-Graduação da Universidade Mackenzie.

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